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27/04/2022 | 17h06 - Atualizada em 27/04/2022 | 17h12

Belém: a cidade que pegou fogo pelo pincel de Benedicto Mello

Reportagem: Carlos Boução

Edição: Andreza Batalha

O painel em homenagem à Cabanagem foi feito em 1974 pelo pintor Benedicto Mello (1925-2004) para decorar o plenário Newton Miranda da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA). Essa obra de arte foi solicitada pelo deputado Gerson Peres (ARENA), então presidente do Poder Legislativo Estadual. De acordo com o pintor, a tela representa bem a Belém Cabana, a cidade que pegou fogo, na definição do pintor.

Newton Miranda (1927-1990), nome que designa o plenário da ALEPA, foi um advogado e jornalista. Exerceu ainda a função de vice governador, sendo o primeiro titular do cargo escolhido por voto direto e também o mais jovem a ocupá-lo aos 34 anos de idade. Em função de sua vida política foi cassado junto com o governador Aurélio do Carmo (1961-1964), com base no Ato Institucional Número Um, outorgado pelo Regime Militar de 1964.

Brigue Palhaço, Adesão à Independência e Cabanagem

O quadro em homenagem à Cabanagem faz um resgate de três momentos significativos da história do Pará: Massacre do Brigue Palhaço, o Movimento de Adesão do Pará à Independência (1823) e a Revolução Cabana (1835-1840). Nesta obra, se destaca a atuação do ativista e cônego Batista Campos. Na tela, esse líder cabano está amarrado à boca de um canhão pelo mercenário inglês John Grenffel, depois da descoberta da farsa que garantiu às elites portuguesas a manutenção do poder lusitano apesar da adesão, representado ainda por um navio no horizonte.

Desembocando nos momentos da segunda tomada de Belém pelos cabanos, em agosto de 1835, na conquista do 'Trem de Guerra', local onde se guardavam os armamentos e munições da Província, ao lado da igreja das Mercês. A luta em frente à Igreja dos Mercedários foi sangrenta redundando em mortes de muitos cabanos.

"No contexto da tomada do Trem, caiu morto o maior líder cabano Antônio Vinagre. Após sua morte, assumiu o poder Eduardo Angelim. Certamente foi um momento marcante para os cabanos", compreende a professora e doutora em História, Magda Ricci.

Segundo a professora, a luta em frente à Igreja dos Mercedários foi sangrenta, pois além de demorar horas para os cabanos derrubarem o portão do 'Trem', lá dentro foi armada uma emboscada: os soldados anticabanos estavam postos no andar superior com todas as armas e munições e, quando finalmente os cabanos invadiram a parte inferior do prédio derrubando o forte portão de entrada, "lá do alto os anticabanos atiram e mataram tantos cabanos quantos puderam até que os corpos dos mortos fizeram volume suficiente para os cabanos ainda vivos escalassem a altura do segundo piso". Em sua conclusão, ela considerou como uma cena dantesca.

Para Benedicto Mello, "um simples traço ou mancha colorida pode conter toda a fruição de um ato criador, mas seguramente a solução final de uma tela, embora pareça jamais se transporta satisfatória e plenamente do espírito do artista para o suporte material do quadro. Para ele, Pintor e pintura não existem isolados, é impossível, portanto, separar autor e obra.

"Independentemente da determinação de quem a concebe, a obra acaba sendo um autorretrato e a busca da simplicidade – que é a virtude principal do empenho criador – haverá sempre de revelar as marcas pessoais do artista, seja na elaboração ou no produto final", definiu na reflexão à guisa de uma autocrítica, de junho de 2000, publicado no relançamento do Álbum 'A Paisagem da Paisagem'.

Sede do Poder Legislativo do Pará

A sede atual do Poder Legislativo do Estado do Pará foi inaugurada no dia 30 de novembro de 1970, quando era Presidente na qualidade de Vice-Governador do Estado o Dr. João Renato Franco. O prédio foi construído com recursos do Poder Executivo Estadual, no primeiro governo do Tenente Coronel Alacid da Silva Nunes (1966-1971).

A denominação Palácio Cabanagem decorreu de uma emenda substitutiva do deputado Carlos Vinagre (MDB) ao Projeto de Resolução de iniciativa do deputado Lauro Sabbá (ARENA) que pretendia denominar a sede do parlamento paraense de Palácio Ruy Barbosa.

Cabanagem

A Cabanagem se uniu por causas diferentes, de um lado, os cabanos (índios e mestiços, na maioria) e os integrantes da elite local (comerciantes e fazendeiros) de outro lado, o governo regencial, com o objetivo de realizar a independência do Grão Pará. No início do Período Regencial, a situação da população pobre era péssima. Mestiços e índios viviam na miséria, sem trabalho e sem condições adequadas de vida.

Os revoltosos sofriam em suas pobres cabanas às margens dos rios. Situação que provocou sentimentos de abandono em relação ao governo central, provocando nos cabanos muita revolta. Os comerciantes e fazendeiros da região também estavam descontentes, pois o governo havia nomeado para a Província um presidente que não agradava a elite local. Os cabanos pretendiam obter melhores condições de vida (trabalho, moradia, comida). Já os fazendeiros e comerciantes, que lideraram a revolta, pretendiam obter maior participação nas decisões administrativas e políticas da Província do Grão-Pará.

"É preciso deixar claro que a Cabanagem não se resume aos combates pelas tomadas de grandes cidades como Belém ou Vigia. O conflito se espraiou pelos mais remotos cantos do antigo Grão-Pará e suas fronteiras com as Guianas, Venezuela e Colômbia. A maioria dos combates ocorreu em comunidades interioranas e envolveu povos indígenas, africanos e caboclos", considera a professora Ricci.

Para ela, na Cabanagem, houve um processo de aprendizagem política e revolucionária, com experiências de associação de classe ao longo da guerra cabana, que fez renascer identidades e unir povos e gentes de diversos locais, origens, culturas e etnias.

Plenário Newton Miranda

O plenário Newton Miranda funcionou até 1998 no prédio original da ALEPA, no entanto, com a inauguração do novo plenário, localizado no anexo Paulo Fonteles, ex-deputado estadual, morto em 11 de junho de 1987, o nome de Newton Miranda, acompanhou a mudança para o novo e mais moderno espaço.

Em 2020, o painel sobre a Cabanagem foi retirado do espaço onde estava fixado para restauro, já era visível sua deterioração. Na gestão do presidente Chicão, (MDB) - Francisco Melo, ele foi restaurado. E em agosto de 2021, o Painel da Cabanagem retorna para o plenário Newton Miranda, local onde são realizadas as sessões ordinárias, extraordinárias, solenes e especiais da ALEPA.

No antigo local, este foi adaptado para funcionar como auditório, onde são realizadas sessões especiais, audiências e eventos públicos e recebeu a denominação, no mesmo ano, de João Batista (PSB), advogado e deputado estadual, assassinado no exercício do mandato, em 1989.

A pintura e sua confecção

O painel sobre a Cabanagem é uma tela de 2x8 metros quadrados que foi montado em tinta acrílica, fruto de estudos e pesquisas anteriores feitos e elaborados em desenho a nanquim e aquarela sobre papel feito pelo autor. A tela acompanhou o projeto arquitetônico que se inseriu no plenário da ALEPA. Esses estudos ainda existem e está sob a guarda do médico Mário Britto.

"Entre a concepção e a finalização, o painel foi feito em pouco mais de um ano. A tela da Cabanagem é mais um trabalho - de grandes dimensões do meu pai, são mais de três dezenas de painéis, que ainda hoje existem em repartições públicas, coleções particulares e museus oficiais", relatou Sérgio Mello, restaurador e ex-diretor do Museu Histórico do Estado do Pará. Sérgio Melo é filho do artista. Ele e seus irmãos serviram de modelos para a tela. Sérgio Melo diz que "O painel representou expressamente para o meu pai, a cidade que pegou fogo". Para mim, Belém representou literalmente a capital e foi o epicentro da Revolta dos Cabanos. A tela 'Cabanagem' foi encomendada antes até da denominação, em plenário pelos deputados, do nome de Palácio Cabanagem, junto com o Painel de Adesão do Pará à Independência do Brasil das artistas paraenses Anita Panzuti e Betty Veiga, exposto no Hall de entrada da Alepa.